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PEGANDO CARONA COM AS STARTUPS

24 de fevereiro de 2020

Nos últimos oito anos, as startups passaram do anonimato para a fama no contexto brasileiro dos negócios. Segundo as estatísticas da Associação Brasileira de Startups (Abstartups), de 2015 até 2020, o número de empresas emergentes no País mais que triplicou, passando de 4.151 para 12.881.

O Rio Grande do Sul é, atualmente, o terceiro estado brasileiro com mais startups, totalizando 922 novos negócios. Só em Porto Alegre – a quarta cidade do ranking – são 551. Diante desse cenário de crescimento, o Direito avistou uma oportunidade de atendimento especializado para essas empresas, que trabalham em condições de incerteza e desenvolvem soluções, normalmente tecnológicas, para problemas diversos. O Direito para Startups não é – e possivelmente nunca será – um ramo do Direito, mas muitos escritórios de advocacia e faculdades já estão preparados para atender às novas demandas empresariais das startups.

As principais necessidades jurídicas dessas empresas estão dentro de três ramos conhecidos do Direito: o Trabalhista, o Tributário e o Societário – esse último o que, geralmente, mais causa problemas. Segundo o advogado especialista em Direito das Startups e Tecnologias, Direito Empresarial e Direito Tributário Lucas Bezerra Vieira, muitos empreendedores acreditam que problemas com colaboradores ou relacionados às questões tributárias serão responsáveis por acabar com o sucesso da empresa. “Conflitos entre sócios são problemas que desencaminham a continuidade de qualquer negócio, como startups, e muitos não têm essa visão”, argumenta.

Além disso, outro desafio jurídico dessa modalidade de negócio está ligado ao comportamento do mercado. De acordo com o advogado, é comum uma empresa começar a validar um negócio no mercado e a vender um produto ou serviço sem ter proteção contratual mínima, sem estabelecer termos de uso de uma plataforma, sem uma política de privacidade e sigilo desse negócio ou sem cumprir os requisitos do Código de Defesa do Consumidor. Vieira identifica, também, dificuldades nas conceituações jurídicas na parte de sucessão e vendas da startup.

À parte dessas preocupações, o advogado especialista em Direito Societário e em Administração de Empresas Paulo Bardella Caparelli defende que uma startup deve contar com assessoria jurídica em todas as tomadas de decisões. Caparelli, que atua há 20 anos na área, lembra que, antigamente, o empresário tomava uma decisão e buscava o jurídico apenas quando havia um problema. Hoje, o empresário é assessorado em cada passo de uma decisão. “Esse mercado evoluiu para um nível de organização bem maior, de modo que esses empreendedores já saem do zero assessorados por advogados, já com receitas de crescimento.” Para Vieira, essa postura preventiva é essencial. “Para quem quer durar, ter um advogado participando como mentor nas decisões é um diferencial”, acrescenta.

Por outro lado, a coordenadora de Startups do Sebrae-RS, Débora Chagas, alega que, embora seja importante ter um conselheiro jurídico acompanhando as decisões, é difícil que startups novas consigam bancar tal papel. Ela aconselha que, no início, quando não é viável ter um advogado em todas as decisões, a startup preste atenção a pontos-chave, como, por exemplo, o acompanhamento jurídico nas questões contratuais. “Nos programas do Sebrae-RS que trabalham com startups, esses temas servem para que o empresário reflita sobre isso e pense na formação da equipe da startup.” Débora afirma que é importante formar a equipe com cautela, garantir um acordo e definir os aspectos societários. “Todas as startups que conheço, que estão crescendo, têm um apoio jurídico. É muito importante”, complementa.

A falta de recursos para contratar um advogado é um problema que Caparelli já identificou como parte desse cenário. Segundo ele, alguns escritórios se organizaram para ter uma equipe interna enxuta com os documentos já pré-formatados.

O especialista também conta de casos em que os advogados fazem ajustes dos honorários atrelados ao sucesso do projeto. O cliente paga um valor baixo no começo com o compromisso de que, quando a empresa for vendida ou valorizada, a diferença seja paga. “Mas isso deve ser visto com cautela para que não haja conflito de interesses entre o advogado e o negócio que está sendo assessorado. O advogado tem que fazer a análise e a elaboração de documentos refletindo sobre o melhor para o seu cliente e não simplesmente visando ao aporte financeiro para que ele receba seus honorários”, atenta.

O advogado especialista em Direito Empresarial e professor do curso de Direito para Startups da The Legal Hub, Pedro Wolff, acredita que a questão financeira é uma das dificuldades que os advogados enfrentam no início. “Advogar para startup não é sobre lucrar quando ela é pequena. É sobre fornecer o que ela precisa naquele momento para que ela cresça e, eventualmente, fique fiel ao seu escritório.”

Outra dificuldade enfrentada pelos advogados que adentram esse meio é a necessidade de conhecimento em áreas que vão além do Direito. “O advogado de startup adquire essa visão multidisciplinar a partir da experiência em casos anteriores. Esse conhecimento é a maior barreira de entrada”, declara Caparelli ao ressaltar que esse tipo de conteúdo não é visto na faculdade. Wolff ainda ressalta que entender o modelo de negócio e as dificuldades e necessidades de cada etapa de uma startup são, também, partes consideradas complicadas.

Tecnologia no meio jurídico

Não é só como assessor jurídico que os advogados entraram para o universo das startups. Muitos desafios jurídicos foram vistos como oportunidades de negócio e, assim, fizeram com que um novo tipo de startup surgisse: as LawTechs e as LegalTechs, empresas que desenvolvem soluções para o meio jurídico. Segundo o radar da Associação Brasileira de Lawtechs e LegalTechs (ABL2), o Brasil já conta com mais de 90 empreendimentos desse tipo.

A Juit, lançada para o mercado há cerca de seis meses, é uma startup de jurimetria com solução de pesquisa jurídica. A plataforma permite que os advogados cadastrados consigam buscar jurisprudências de diversos tribunais, encontrar análises jurídicas baseadas em dados e, ainda, construir e gerir todo esse conhecimento de forma colaborativa com os colegas de escritório. “Nossa proposta de valor é centrada em fazer com que o advogado saiba mais lendo menos”, ressalta o sócio-fundador da Juit, Deoclides Neto.

O coordenador do FGVnest – Núcleo de Estudos em Startups, Inovação, Venture Capital e Private Equity da Fundação Getulio Vargas, Caio Ramalho, acredita que as Law e LegalTechs não são apenas uma tendência para o futuro, mas sim uma realidade. Sobre as startups como a Juit, ele defende que, além da velocidade, elas garantem abrangência analítica. “Pode-se fazer essa busca de informações em alguns minutos, e isso facilita muito a vida dos advogados”, afirma.

Deoclides Neto conta que a ideia da startup veio com o convívio com diversos advogados que reclamavam do tempo gasto para realizar essas pesquisas. “Os advogados passam cerca de 20% do tempo estudando. É 20% do tempo deles que não está sendo cobrado”, explica.

Além da jurimetria, as Law e Legaltechs podem ajudar a gerir o escritório, criar plataformas de conteúdo jurídico e auxiliar o monitoramento de dados públicos, por exemplo. “A tecnologia e o Direito formam um casamento muito positivo”, brinca Ramalho diante desse leque de oportunidades.

Yasmim Girardi – Jornal do Comércio