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BANCAS APOSTAM EM TERCEIRIZAÇÃO DE ADVOGADOS PARA EMPRESAS
Escritórios de advocacia têm investido em uma nova área de negócios. Chama-se “secondment” e consiste na alocação temporária de advogados em empresas. É uma espécie de terceirização, feita de forma pontual há anos pelas bancas. A diferença, agora, é que essa administração ganhou escala e os escritórios têm estruturado setores focados nesses recrutamentos, a partir das necessidades dos departamentos jurídicos das companhias.
O secondment cresceu durante a pandemia da covid-19 por causa de demandas jurídicas extraordinárias que surgiram, especialmente, com a repactuação de contratos. Mas, segundo advogados, é um nicho promissor no pós-crise sanitária, por causa da maior abertura ao trabalho remoto e da vantagem com a redução de custos de contratação.
Além da revisão de contratos, a adaptação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o trabalho com ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) movimentaram esse mercado durante a pandemia.
No Viseu Advogados, por exemplo, o número de advogados alocados (chamados de secondees) passou de 10, em 2019, para 100, no ano passado. “As empresas não tinham recursos para contratar, mas tinham demanda, que não sabiam se seria permanente ou não. Foi a saída”, afirma Carla Silverio, sócia e responsável pela área de secondment da banca. Os clientes atendidos, conta, tem perfil diverso – varejo, financeiras, agronegócios, startups e multinacionais.
Em vez de contratar o serviço jurídico que será prestado pela equipe do escritório, as companhias acionam as bancas em busca de profissionais qualificados em certas especialidades e que possam trabalhar no departamento jurídico com dedicação integral, mas por prazo determinado. Normalmente, de três meses a um ano.
Os motivos para precisar de um advogado temporário variam. Pode ser por causa de um projeto ou de uma demanda extraordinária, para substituir um profissional interno que saiu de licença e para contornar restrições de despesas com contratações permanentes.
Na Ânima Educacional, a necessidade surgiu com a aquisição do Grupo Laureate por R$ 4 bilhões, em 2020. A equipe jurídica interna da Laureate estava subdimensionada e era preciso suprir uma demanda imediata. “Era um momento de virada de chave, em que passamos de mil para 10 mil processos”, conta Humberto Cordella, diretor jurídico da Ânima.
Dos 72 advogados no departamento jurídico atualmente,15 são secondees e estão alocados para demandas de contratos, trabalhista e civil. Três advogadas que haviam entrado para um trabalho temporário foram contratadas como gerentes, da área trabalhista, tributária e público-social. “É um modelo seguro, que evita riscos e ainda possibilita testar profissionais”, diz Cordella.
De acordo com Carla, do Viseu Advogados, o desafio é encontrar de forma ágil a pessoa certa para determinada função. “Até porque ela ficará sob o meu guarda-chuva de responsabilidade”, afirma.
Gustavo Viseu, sócio do escritório que leva seu sobrenome, conta que há profissionais no terceiro ou quarto projeto, alocados inclusive em companhias na Espanha, Portugal e Áustria. “A tecnologia expandiu essas possibilidades de trabalho porque são posições para atuação remota ou híbrida, de forma temporária, o que muitas pessoas preferem”, diz.
Foi o caso da advogada Valéria Puglisi, de 50 anos. Pouco antes da pandemia, ela decidiu morar no interior de São Paulo com a família. “Queríamos viver em uma casa, com espaço. E eu tinha vontade de trabalhar remotamente”, conta. Do fim de 2019 para cá, a especialista em contratos empresariais passou por três empresas. “Engatei um projeto no outro. Primeiro fiz uma auditoria, depois cobri uma licença-maternidade e, agora, estou assessorando uma empresa que está começando.”
O BVA Advogados, com sede em São Paulo, também estruturou o secondment. Atualmente, possui 20 secondees alocados nas áreas de contratos, compliance, contencioso, trabalhista e privacidade. O escritório cede um profissional da própria equipe, se for do interesse do advogado, ou recruta no mercado.
“Atendemos muitas empresas do setor de tecnologia que não têm o porte de uma multinacional, mas que demandam serviços jurídicos”, afirma o advogado Gustavo Fiuza Quedevez, responsável pela área.
A demanda, de acordo com ele, aquece normalmente no segundo semestre, quando alguns segmentos fecham um maior volume de contratos por causa de aumento de produção para o Natal. “Os shoppings, por exemplo, tem um contingente em agosto e setembro, quando fecham as locações para inauguração de lojas antes das festas de fim de ano”, diz Quedevez.
Em outras bancas, o secondment também é feito, mas de forma artesanal. Durante a pandemia, por exemplo, uma advogada do escritório Rubens Naves – que atua especialmente com direito administrativo e regulatório – passou dois meses com dedicação integral para auxiliar um cliente a reformular o departamento jurídico.
“É uma profissional que já conhecia as dores do cliente e que repassou as questões do dia a dia para os recém-chegados”, conta Marcela Arruda, sócia do escritório. “Funciona bem porque a empresa busca o apoio onde ele já tem confiança”, acrescenta.
Para Antonio Moreno, sócio do escritório ASBZ, o secondment também pode gerar uma relação de ganha-ganha pela troca de cultura e conhecimento entre escritórios e empresas, além de aproximação do relacionamento corporativo. “Para a empresa é positivo por agregar conhecimento técnico. E, para os escritórios, para entender a operação do cliente.”
Publicado por Valor Econômico