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TJ-SP ELEVA HONORÁRIOS DE ADVOGADO DE CONTRIBUINTE COM BASE EM TESE INÉDITA

11 de novembro de 2020

Uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) está sendo considerada pela advocacia como um “divisor de águas” para a discussão sobre os honorários de sucumbência – percentual que a parte vencida paga ao representante da vencedora. A 2ª Câmara de Direito Público entendeu que advogados públicos e privados têm de ser tratados da mesma forma.

Essa argumentação, inédita no Judiciário, foi usada pelos desembargadores para negar um pedido do Estado para reduzir os valores que terá de pagar ao advogado de um contribuinte. O tribunal fixou honorários de 11% sobre o valor da causa, o que representa cerca de R$ 330 mil.

O percentual, apesar de considerado alto pelo Estado de São Paulo, é semelhante ao que os procuradores receberiam se a Fazenda Pública tivesse vencido o processo e estão previstos no Código de Processo Civil (CPC).

No novo CPC, que entrou em vigor em 2016, existe uma tabela com percentuais preestabelecidos para serem aplicados às disputas entre os contribuintes e a Fazenda Pública. Variam conforme a causa: quanto mais alto o valor da condenação, menor será o percentual.

Para causas de até 20 salários mínimos, por exemplo, devem ser fixados entre 10% e 20% de honorários. Já condenações em valores acima de 100 mil salários mínimos o percentual fica entre 1% e 3%. O detalhamento consta no artigo 85.

No dia a dia, no entanto, o que se vê, de maneira geral, são percentuais muito inferiores nos casos em que a Fazenda é derrotada. Há processos em que juízes e desembargadores fixaram 0,1% de honorários de sucumbência ao advogado do contribuinte. Costumam justificar, nessas situações, que se deve observar o princípio da proporcionalidade, razoabilidade, legalidade e eficiência.

Quando consideram que o valor ficará muito alto ou que a causa não era tão complexa e não exigiu tanto esforço do advogado, juízes e desembargadores, então, reduzem o percentual. Afirmam que o próprio CPC lhes dá essa opção.

A 2ª Câmara de Direito Público do TJ-SP julgou o tema por meio de embargos de declaração apresentados pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE) para contestar os honorários de sucumbência fixados no julgamento de mérito. O processo envolvia discussão sobre o redirecionamento de uma dívida de ICMS de uma empresa para um de seus antigos sócios. Uma causa de cerca de R$ 3 milhões (processo nº 2176271-29.2020.8.26.0000).

A decisão sobre os honorários se deu por maioria de votos. A desembargadora Luciana Bresciani, que ficou vencida, sugeriu fixar o valor que deveria ser pago pelo Estado em R$ 15 mil – 0,5% do valor da causa. A quantia seria suficiente “para bem remunerar o trabalho desenvolvido” pelo advogado, diz em seu voto.

Ela adotou a argumentação-padrão, de que se deveria fazer uma “apreciação equitativa, que leva em conta o grau de zelo profissional, a natureza e a importância da causa, bem como o trabalho desenvolvido pelo advogado e o tempo exigido para o serviço, sem onerar demasiadamente o erário”.

Prevaleceu, no entanto, o voto da relatora, a desembargadora Vera Angrisani, fixando os 11% de honorários de sucumbência. Ela levou em conta os valores que seriam recebidos pelos advogados do Estado caso o contribuinte tivesse optado por pagar a dívida em vez de apresentar recurso ao tribunal. Seriam 10% do valor do débito corrigido.

“Tivesse havido o pagamento à época sem contestação, a Fazenda Pública do Estado de São Paulo receberia honorários expressivos sem que seus patronos tivessem protocolado uma única peça além da vestibular, a qual é um modelo impresso e que não demanda grande esforço ou defesa de tese jurídica complexa para ser elaborada. Aliás, se utilizado um programa básico de computador que integre os dados da dívida ativa, bastará apertar dois ou três botões”, afirma a relatora na decisão.

Vera Angrisani destaca ainda que não havia indícios de que a Fazenda – que, agora, contesta o percentual fixado – tivesse aberto mão dos seus próprios honorários. “O único argumento que a embargante [Fazenda] não pode defender para requerer a redução de honorários com base na simplicidade da atuação do defensor do embargado [contribuinte] é o da equidade”, enfatiza. O entendimento foi acompanhado pelo desembargador Renato Delbianco.

Representante do contribuinte, Eduardo Ramos Viçoso, do escritório Peluso, Stupp e Guaritá Advogados, diz que a decisão “toca na ferida” da discussão sobre os honorários de sucumbência. “Mostra que não se pode tratar a advocacia pública e a privada com tanta diferença.”

Essa discussão se dá em torno do parágrafo 8º do artigo 85 do CPC. Consta no dispositivo que “nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa”.

Apesar de o texto tratar de valores baixos, os juízes, em geral, têm aplicado esse dispositivo também aos casos que consideram como de valor excessivo. Eles se utilizam dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar a aplicação dos percentuais do CPC.

Nem mesmo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo Viçoso, tem uma jurisprudência uniforme. Há decisões tanto por validar a interpretação mais ampla do parágrafo 8º e, desta forma, permitir que os próprios juízes fixem o percentual que acharem mais adequado e há também decisões para aplicar o que consta de forma restrita no texto.

Fábio Nieves Barreira, do escritório Viseu, diz que essa interpretação ampliada do parágrafo 8º entra em critérios subjetivos. “O juiz entende que a causa não exigiu do advogado um esforço suficiente para que os honorários fossem fixados naqueles patamares fixados no CPC. Só que o juiz tem essa visão porque ele já julgou outras vezes. É como comentar um jogo que já terminou”, afirma.

O advogado, quando inicia um caso, acrescenta, não sabe o que vai acontecer. Depende de produção de provas, por exemplo, e da apreciação de um terceiro. “Todo caso é complexo”, frisa Barreira. Ele chama a atenção ainda que os percentuais do novo CPC geralmente são aplicados quando o contribuinte é quem perde a disputa. “Por que essa diferença de tratamento? Esse dinheiro não vai para os cofres públicos, é distribuído entre os procuradores.”

A PGE de São Paulo informa que irá recorrer e que a questão aguarda julgamento do STJ (tema 1046) e do TJ-SP, em caso semelhante. O tribunal paulista admitiu recurso representativo da controvérsia.

Fonte: Valor Econômico