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MAIS QUE SIMPLICIDADE, REFORMA TRIBUTÁRIA TEM DE PROMOVER JUSTIÇA
A sociedade brasileira acompanha, com muita atenção e esperança, a tramitação da PEC 45, de autoria do deputado Baleia Rossi (com base em estudos muito sérios do Centro de Cidadania Fiscal – CCiF).
Não há dúvidas de que a reforma tributária é um anseio da sociedade (talvez como nunca antes na história deste país). O atual sistema tributário nacional é, mesmo para os leigos, sabidamente complexo e injusto.
Por isso, restou claro, durante audiência pública realizada pela seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, no dia 27/06/2018, que o anseio da sociedade é por uma reforma tributária que enderece dois assuntos: a justiça tributária e a melhora no ambiente de negócios do Brasil (redução do chamado “custo Brasil”).
A justiça tributária é uma exigência constitucional calcada no princípio da capacidade contributiva.
Esta semana, o meu filho Danilo, de 8 anos de idade, quis entender a minha profissão. Há tempos ele sabe que sou advogado e professor, mas agora ele quis entender o objeto da minha atuação. Disse a ele que trabalho com tributos, mas ele não sabia o que isso significa. Após uma simples explicação a respeito do financiamento do Estado para que este cuide dos bens públicos e preste os serviços públicos, travamos o seguinte diálogo:
– Papai, todas as pessoas pagam o tributo igualmente?
– Filho, você acha justo o papai pagar o mesmo tributo de uma pessoa que mora na rua?
– Não – responde ele, enfaticamente.
– Pois é, filho, cada um paga tributo de acordo com a sua capacidade de contribuir.
A reforma prevista na PEC 45, em meu sentir, não endereça o tema da capacidade contributiva ao extinguir o princípio da seletividade (hoje presente no IPI e no ICMS) no proposto Imposto sobre Bens e Consumo (IBS). Tanto é assim que a redução da regressividade se dá, de acordo com a PEC, mediante a criação de uma espécie de programa social que devolveria, parcialmente, o tributo pago pelas pessoas de baixa renda (§9 do artigo 152-A).
A questão que se coloca aqui, portanto, é a seguinte: Queremos uma tributação sobre o consumo que observe a capacidade contributiva ou isso ficará a cargo apenas dos tributos sobre renda e propriedade?
Não há dúvidas de que a capacidade contributiva de um indivíduo pode ser mensurada de maneira muito mais fácil (e objetiva) na tributação de sua renda ou de sua propriedade. Mas isso significa que devemos abandonar a capacidade contributiva na tributação sobre o consumo?
A resposta a essa pergunta quer me parecer negativa. Como reflete o diálogo com meu filho, a capacidade contributiva é a base de todo o sistema tributário, não apenas por um mandamento constitucional, mas por justiça. Ao escolher como arrecadar, o Estado deve observar a capacidade contributiva dos indivíduos que contribuirão. Se assim não for, podemos, em nome da simplicidade, ratear todos os gastos públicos “por cabeça”.
Ora, a simplicidade (e, consequentemente, a melhora no ambiente de negócios) não pode ser mais importante que a justiça tributária. Como já dito aqui, esses devem ser os dois nortes da reforma tributária, sem que um prevaleça em detrimento do outro.
E aí surge uma pergunta óbvia: como promover, conjuntamente, justiça tributária e simplicidade? Certamente, muitas seriam as ideias, mas que tal modificar o imposto previsto no artigo 154 da própria PEC 45.
Quando se fala nesta PEC, os olhos estão sempre voltados para o IBS, mas há ali também a previsão de mais um novo imposto, de caráter extrafiscal, que objetive “desestimular o consumo de determinados bens, serviços ou direitos”.
A saída da justiça tributária não está no IBS, mas sim naquele que, por falta de outro nome melhor, poderíamos chamar de ISC (Imposto Seletivo sobre o Consumo). É um erro usar este imposto apenas para desestimular o consumo de bens, de maneira exclusivamente extrafiscal. Este imposto precisa ser o imposto que promoverá justiça tributária no consumo; precisa ser um imposto também de caráter fiscal.
Ora, se o IBS é o tributo que trará simplicidade, reduzindo os custos de conformidade (um dos anseios da reforma), o ISC tem que ser o tributo da justiça tributária (outro anseio), sem prejuízo, obviamente, das outras reformas necessárias na tributação da renda e do patrimônio (e que, potencializarão, ainda mais, a capacidade contributiva).
O que se propõe neste artigo, portanto, é fazer um pedido ao Congresso Nacional para que não escolha um caminho que abandone a justiça tributária na tributação sobre o consumo. Ainda há tempo de resgatar um pouco da capacidade contributiva no consumo, e isso pode ser alcançado pela incidência do ISC sobre bens supérfluos (para além daqueles cujo consumo se queira desestimular, hipótese já prevista na PEC).
*Carlos Eduardo de A. Navarro, sócio de Viseu Advogados, professor da pós-graduação em Direito Tributário da Escola de Direito de São Paulo – “GVlaw” e MBA em Gestão de Tributos e Planejamento Tributário da Escola de Administração de São Paulo – “FGV Management”, ambos da Fundação Getúlio Vargas
Fonte: ESTADÃO