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DIP FINANCING É UMA ALTERNATIVA VIÁVEL PARA AS RECUPERAÇÕES JUDICIAIS NO BRASIL?
Ecio Perin Junior, é especialista em Direito Empresarial pela Università degli Studi di Bologna; Mestre e Doutor em Direito Comercial pela PUC-SP; Fundador do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial – IBRADEMP e consultor Jurídico na área de Falência e Recuperação Judicial do escritório Viseu Advogados
A obtenção de recursos, conhecidos no mercado como Debtor-in-Possession ou DIP Financing e/ou ainda através dos chamados distressed funds, no momento subsequente ao deferimento da recuperação judicial, se apresenta como excelente alternativa e elemento essencial quanto à própria aprovação do plano. Contudo, a obtenção desses recursos junto a bancos e fornecedores, em geral, enfrenta diversas barreiras, inclusive barreiras culturais de mercado.
Várias pesquisas com credores, bancos e fornecedores de empresas em crise, chegam à conclusão que metade dos antigos fornecedores não voltam a fornecer para os clientes que entraram em recuperação judicial, sendo que a outra metade somente acaba fornecendo mediante pagamento à vista ou sensível redução do prazo para pagamento, ou por meio de carta de fiança, ou, ainda, por meio de liquidação parcial da dívida antiga num percentual previamente acordado a cada compra realizada — o que, concordemos ou não, fere o princípio de liquidação equitativa entre as classes de credores, em detrimento da proteção dos credores minoritários, gerando enorme insegurança jurídica no ambiente brasileiro.
No que diz respeito aos bancos, as únicas exceções, em processos recuperatórios, são empréstimos via cessão de duplicatas ou autoliquidáveis (usualmente dados por bancos pequenos e médios ou até mesmo factorings) que, convenhamos, não são exatamente “DIP Financing”.
Nos EUA, por exemplo, as principais formas de intervenção destes fundos são (i) através da concessão de empréstimos (e, a legislação americana possibilita ao Dip Investor pleitear perante as cortes a chamada super-priority no recebimento do dinheiro aportado na forma de empréstimos); (ii) através da aquisição de parcelas de dívida já existente; e (iii) pela aquisição de participação societária.
Observe-se que a participação como credor (concessão de financiamento ou aquisição de crédito) é uma posição de menor risco, mas cujo índice de retorno é limitado ao valor da taxa de juros aplicada, que não poderá ser abusiva, enquanto a aquisição de participações societárias é uma modalidade de investimento que assume maior índice de risco, mas, em contrapartida, tem perspectivas de rentabilidade mais elevadas.
Com relação aos incentivos sobre investimento na forma de concessão de crédito, a Lei 11.101/05 prevê, em seu artigo 67, que os créditos concedidos às empresas no curso da recuperação serão dotados de natureza extraconcursal. Isso significa que caso seja decretada a falência da empresa recuperanda, este investidor terá prioridade de recebimento em relação aos credores de dívidas anteriores à recuperação.
Mas qual seria o problema? Essa proteção é limitada, pois dentre os créditos extraconcursais, aquele decorrente da concessão de financiamento é o último na ordem de recebimento prevista no art. 84, sendo ele precedido por uma lista de outros créditos extraconcursais que podem atingir valores vultuosos, tornando o efetivo recebimento uma realidade incerta a esse investidor, gerando mais insegurança e desestímulo a investidores estrangeiros.
O ingresso de um fundo como investidor sempre traz à empresa em recuperação maior transparência e controle gerencial, maior credibilidade, melhor acesso a crédito, implementação de boas práticas de governança corporativa, e o tão necessário aporte de recursos — o que contribui significativamente para impulsionar resultados favoráveis à sua recuperação, em consonância com os princípios resguardados pela legislação falimentar brasileira, especialmente o princípio da manutenção da atividade empresarial, com todas as suas consequências, beneficiando todas as partes relacionadas.
Vis a vis, fazendo breve comparação com a legislação norte-americana (título 11, capítulo 3, subcapítulo IV seção 364, do Chapter 11), tal dispositivo possibilita àquele que pretenda conceder crédito à empresa em recuperação, o direito de requerer às cortes o que se chama de “super-prioridade” (super-priority), no recebimento.
Isso significa que, nos termos da seção 364, item (c), caso o administrador da empresa em recuperação não seja capaz de obter crédito sem oferecer garantias, ele pode pleitear à corte competente permissão para conceder prioridade absoluta em relação a todos os créditos (mesmo garantidos) originados de fatos anteriores à recuperação e, ainda, prioridade em relação a todos os créditos listados na sessão 503 (b) ou 507 (b), (os créditos incorridos durante o processo de recuperação, inclusive trabalhistas, fornecedores, tributários, administrativos, judiciais, dentre outros que sejam originados no curso da recuperação) ou, alternativamente, autorização para garantir tal crédito com ativos de propriedade da empresa, mesmo que tais ativos já tenham sido dados em garantia de outros créditos (e nesse caso, o crédito garantido anteriormente será preterido).
Em adição à garantia e à super prioridade, os créditos concedidos no curso da recuperação, em geral vêm acompanhados de outros compromissos e proteções, de forma a permitir ao credor a recuperação total dos recursos aportados, mesmo no caso de falência da empresa devedora. Os documentos do empréstimo e/ou a ordem judicial que o autorizam, determinam: (i) um laudo de avaliação dos ativos do devedor; (ii) o compromisso de destinação de receitas geradas no curso da execução do plano recuperatório, de forma a reduzir a dívida; (iii) que os credores anteriores não possam entrar com medidas judiciais contra o devedor até que a dívida tenha sido paga, e, (iv) que determinados eventos, como a convolação em falência, antecipem o vencimento da dívida.
Como se observa, no cenário norte-americano existe uma forte proteção oferecida ao credor disposto a financiar a recuperação da empresa, incentivando de fato essa prática. Mais que isso, não raro os credores já existentes são chamados a aprovar os termos do empréstimo (já que serão preteridos) e de fato concedem autorização para tanto, pois têm ciência de que a forma mais segura de ter seus créditos satisfeitos é a da efetiva recuperação da empresa — o que só se dará por meio do aporte de novos recursos para estabilização do fluxo de caixa.
A proteção ao investidor disposto a financiar a recuperação é, portanto, absolutamente tímida na legislação brasileira — em especial se comparada com as provisões do direito norte-americano.
Em conclusão, o interesse do sistema recuperacional brasileiro deve recair, em momentos como estes que estamos vivendo, sobre a prioridade de atrair investidores privados dispostos a financiar e liderar a recuperação de empresas em crise, consideradas as repercussões sociais e econômicas que isso envolve.
Em conclusão, o interesse do sistema recuperacional brasileiro deve recair, em momentos como estes que estamos vivendo, sobre a prioridade de atrair investidores privados dispostos a financiar e liderar a recuperação de empresas em crise, consideradas as repercussões sociais e econômicas que isso envolve.
Fonte: ESTADÃO