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ISOLAMENTO PODE AUMENTAR VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

31 de março de 2020

A quarentena ou isolamento social é uma das medidas preventivas do coronavírus (Covid-19) mais recomendada pelos especialistas de saúde. Ainda que seja uma boa alternativa para evitar a propagação do vírus, a medida pode significar uma série de perigos para grande parte da população, em especial, as mulheres. Em um documento, a ONU Mulheres América Latina e Caribe indica a possibilidade de aumento nos casos de violência doméstica durante o confinamento.

Na China, esse receio já virou realidade. Segundo dados da ONG chinesa Weiping, a quarentena para impedir a disseminação da Covid-19, fez com que as denúncias de violência doméstica triplicassem, em apenas dois meses. Lá, as mulheres se uniram pela rede social chinesa Sina Weibo e usaram, mais de 3 mil vezes, a hashtag #AntiDomesticViolenceDuringEpidemic (#ContraViolênciaDomésticaDuranteEpidemia), acompanhada de relatos de vítimas ou testemunhas.

Segundo o Mapa do Feminicídio no Rio Grande do Sul de 2019, 33% das mortes ocorreram no sábado e no domingo. O levantamento, feito pelo Observatório de Violência Contra a Mulher da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, também constatou que 71% dos crimes foram cometidos na residência da vítima ou do agressor. Para a Delegada Titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) de Porto Alegre, Tatiana Barreira Bastos, esses dados podem explicar um possível aumento das denúncias de casos de violência contra a mulher no período de confinamento.

Para Gabriela Souza, advogada especializada no atendimento de mulheres, a violência tende a aumentar em períodos de isolamento e de menor convivência social. “As pessoas estão mais próximas por mais tempo. Os problemas borbulham, existe uma tensão e uma incerteza no ar. O estresse, o aumento de convívio, a nostalgia e a tristeza são fatores”, explica. Ela traça uma comparação com os períodos de final de ano, quando as famílias estão juntas por mais tempo. “Só que agora tem uma imposição, então é muito complicado. Inclusive porque a mulher não só está confinada em casa com o seu agressor como também está longe da sua rede de apoio.”

A advogada criminalista Carla Rahal Benedetti também entende que o aumento do convívio pode levar ao crescimento dos números de notificações. “Esse é o fator determinante que desencadeia o florescimento de uma violência preexistente, que fica maior em tempos que geram mais estresse”, complementa. Ela acredita também que a situação pode desmotivar mais ainda o pedido de ajuda das mulheres violentadas. “Isso pode fazer com que muitas deixem de buscar ajuda também pelo receio de contrair a doença e, o que é ainda pior, passar para filhos ou familiares.”

“A Polícia Civil gaúcha se estruturou criando novos canais de comunicação para incentivar denúncias mesmo sem sair de casa. Com a delegacia on-line (www.delegaciaonline.rs.gov.br/dol/) e via WhatsApp – (51) 98444 -0606 -, a mulher pode só escrever uma mensagem, não precisa falar – então até ao lado do agressor ela pode denunciar”, defende Tatiana sobre como a Deam se prepara para que as mulheres tenham mais acesso aos meios de denúncia. “Também temos campanhas com a rede de proteção para que outras pessoas (vizinhos, familiares, amigos) ajudem essa mulher”, aponta.

Pensando na rede de proteção e na falta de um cenário seguro para denúncias, o escritório de advocacia para mulheres da Gabriela criou uma campanha chamada “Vizinha, eu te escuto, eu te protejo” para conscientizar as mulheres sobre a importância de proteger outras mulheres que estão em volta. “Precisamos, mais do que nunca, meter a colher. Nesse momentos, precisamos muito dessa atenção.”

Ainda que a Polícia Civil esteja se preparando para melhor atender mulheres nessa situação, Carla acredita que o Direito não está preparado para lidar com casos dessa natureza a distância. “O Direito tem ferramentas paliativas, mas não tem ferramentas de solução ou minimização do problema. Pessoas violentas devem ter um tratamento médico, não bastando apenas o encarceramento. O problema está na raiz, na razão da violência, e não na consequência”, defende. Gabriela acredita que ninguém está preparado para lidar com o coronavírus. “Mas, na esfera da proteção das mulheres, quando fechamos a rede de apoio, fechamos uma porta muito importante. A delegacia, o Judiciário e a saúde estão fechados. As pessoas precisam lidar com isso também”, explica.

Embora o movimento da Deam na primeira semana de março tenha sido considerado intenso pela delegada, ainda não é possível saber se já ocorreu o aumento no número de notificações no Estado, porque esses dados só são divulgados mensalmente. “Com certeza, no final do mês de março, vamos medir os indicadores dos primeiros quinze dias e dos últimos quinze dias, quando começou essa campanha em massa pelo isolamento social, e verificar se houve ou não algum aumento nas notificações”, explica.

Jornal do Comércio