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ESTADOS SE PREPARAM PARA ARRECADAR ICMS SOBRE SOFTWARE
As alterações tributárias vieram do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que publicou na semana passada novas regras para os estados cobrarem ICMS sobre o download de software. Uma delas, o Convênio nº 106, estabeleceu os procedimentos de cobrança do imposto nas hipóteses de transferência eletrônica de bens e mercadorias digitais. Antes da nova regra havia apenas a posição do Confaz quanto à possibilidade de tributação, mas não como seriam as questões operacionais.
Pelo convênio, os estados podem começar a cobrar o ICMS a partir de 1º de abril. São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Pernambuco, segundo apurou o JOTA, foram os primeiros a se mobilizar para viabilizar a cobrança.
Segundo Reinaldo Zangelmi, especialista em gestão empresarial e sócio da Barbero Advogados, o prazo de abril decorre da legislação, mas serve para o Fisco se organizar para a cobrança.
Por isso, apesar da organização de alguns estados, outros devem aguardar o fim do prazo para tomar alguma iniciativa. “Acredito que alguns estados não terão nenhuma preparação para isso, especialmente os do nordeste”, afirmou o advogado.
O valor do imposto arrecadado é destinado ao estado onde estiver o consumidor final. No entanto, caso se trate de importação e, portanto, operações com sites e plataformas sem representação no Brasil, o imposto será retido pela administradora do cartão de crédito utilizado para efetivar o pagamento da transação.
ICMS e bens digitais
O convênio atinge programas de computador, jogos, músicas, filmes e aplicativos transferidos eletronicamente. Ainda assim, músicas e filmes de autores nacionais ou interpretados por artistas brasileiros têm imunidade tributária. “Nesses casos, não poderá haver a incidência de qualquer imposto na transação”, afirma a professora Tathiane Piscitelli, da FGV Direito SP.
A nova regra era só o que faltava para que os estados começassem a se organizar para a cobrança. O estado de São Paulo, por exemplo, já havia publicado a Decisão Normativa CAT nº 4 reafirmando a competência para tributar pelo ICMS os bens digitais padronizados e destacando que só não o faria enquanto não estivesse definido o local de incidência do tributo. Com o Convênio nº 106, o caminho está pavimentado.
“Não obstante, ao menos no município de São Paulo, há clara pretensão de tributar esses mesmos fatos pelo imposto sobre serviços. Isso suscita um debate intenso acerca da competência do Convênio para tratar desses pontos, já que ele estaria dirimindo conflito de competência – papel designado a Leis Complementares”, afirma Piscitelli.
“Some-se a isso um incremento na complexidade das obrigações atribuídas às empresas de tecnologia, que deverão ter conhecimento dos domicílios de seus usuários e do possível repasse da tributação ao preço do produto”, ressalta a professora.
Críticas
Junto com a publicação do convênio surgiram críticas quanto à sua aplicação. Fontes ouvidas pelo JOTA apontam, por exemplo, para a possibilidade de bitributação, já que os municípios cobrariam o ISS e os estados o ICMS sobre as operações.
Segundo Reinaldo Zangelmi, especialista em gestão empresarial e sócio do Barbero Advogados, o convênio do Confaz representa uma forma indevida de os estados aumentarem seus caixas, já que, para ele, a tributação do ICMS servirá para recuperar a arrecadação perdida em outras áreas.
Já o assessor jurídico da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf), Ricardo Almeida, entende que deve incidir o ISS, e não o ICMS, sobre operações envolvendo softwares.
“A licença de software é uma utilidade transferida ao licenciado ou usuário do programa. Não há venda de propriedade ou mercadoria. Trata-se de serviço prestado, conforme definido pela Lei Complementar 116/2003, cuja função é exatamente prevenir conflitos de competência com o ICMS”, afirma.
Almeida diz que a Abrasf deve pleitear a entrada como amicus curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.659, que discute a incidência do ICMS sobre operações envolvendo softwares. O processo foi ajuizado pela Confederação Nacional de Serviços (CNS) e tem como relator o ministro Dias Toffoli.
Outra crítica apontada por especialistas é a possibilidade de instabilidade jurídica e administrativa.
“Essa situação do Convênio 106 é muito problemática e vai suscitar diversos questionamentos na esfera judicial”, aponta Alberto Carbonar, consultor jurídico do escritório Barral M Jorge Consultores Associados.
Em relação à obrigação de criar uma inscrição estadual em todos os estados e que a arrecadação do ICMS deve ser exclusiva para o estado do consumidor final, Carbonar ressalta que as alterações aumentarão a burocracia e as empresas terão que se organizar internamente para cumprir com todas as obrigações acessórias previstas nas legislações de cada uma das 27 unidades federativas.
Além disso, para o advogado Carlos Navarro, sócio do escritório Viseu Advogados, a norma estabelece o local do fato gerador do ICMS, o que não poderia ocorrer sem a edição de uma Lei Complementar. Para ele, seria preciso alterar a lei Kandir (87/96) para só depois estabelecer a forma de tributação pelos estados.
O advogado critica ainda a postura do Supremo Tribunal Federal (STF) ao analisar a matéria. Isso porque, em 2010, o STF começou a julgar a matéria na ADI 1.945. Em medida cautelar os ministros decidiram manter em vigor a Lei Estadual 7.098/98 do Mato Grosso, que consolida normas referentes ao ICMS e trata da tributação sobre softwares. Até agora não há um solução sobre o mérito do processo, e a demora no julgamento do caso é considerada como um dos maiores problemas para Navarro.
“Um dos grandes responsáveis por essa confusão é o STF, que não julga logo a ADI 1945. Seria importante que o julgamento ocorresse logo para não postergar essa disputa. Um ente briga com o outro, eles estão em guerra, mas quem vai sair ferido é o contribuinte, que corre o risco de ter que pagar para dois entes tributantes diferentes, o que seria absolutamente inconstitucional”, afirmou Navarro.
Games
O convênio causará um maior impacto ao consumidor final, mas também poderá complicar a vida dos desenvolvedores de softwares. Um exemplo são os produtores de games no Brasil, que veem no mercado digital uma forma de sobrevivência à alta tributação no país.
Isso porque a maior parte dos produtores de games brasileiros são independentes e de pequeno a médio porte, e apostam no mercado digital para evitar grandes tributações.
Além de enfrentarem o problema da bitributação pelos Estados Unidos e pelo Brasil, pelo fato de as plataformas digitais como o Steam serem sujeitas à tributação americana, os produtores terão um aumento do custo de produção dos seus jogos. O primeiro grande impacto é o preço.
Outro problema que afetará os desenvolvedores será o efeito da burocracia, uma vez que, como o convênio estipula que é preciso ter um cadastro em todos os estados nos quais se encontrem os consumidores do produto, provavelmente será necessária uma maior mão-de-obra para conseguir efetuar o recolhimento correto do tributo.
Isso aumentará o custo financeiro dos produtores, uma vez que eles terão que arcar com uma nova logística, organizar para os novos gastos e, provavelmente, contratar mais pessoas para conseguir administrar juridicamente as vendas digitais.