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ARTIGO DE GUSTAVO ARTESE NA CAPITAL ABERTO
Na teoria do caos, o “efeito borboleta” designa uma das características fundamentais dos sistemas dinâmicos não lineares. Segundo Edward Lorenz, matemático que cunhou o termo, nesses sistemas a dependência das condições iniciais é relevante e, caso sejam modificadas, mesmo que de forma insignificante, pode haver diferenças importantes no estado das coisas subsequente. Tanto a evolução tecnológica quanto os processos regulatórios enquadram-se nesse conceito.
Assim, ações, ainda que diminutas e não planejadas, podem desaguar em efeitos expressivos e imprevisíveis. Daí a suposição ilustrativa de que um tornado (e.g. seu tempo de formação, intensidade e caminho exatos) pode ser influenciado por perturbações ínfimas, como o bater de asas de uma borboleta distante.
O processo de inovação tecnológica engloba tanto melhorias incrementais quanto saltos disruptivos, com potencial para gerar impactos significativos na vida em sociedade. A observação isolada desses movimentos tende a nos remeter ao caos e à desorientação inerentes ao voo de uma borboleta. Impossível antecipar uma direção.
A imprevisibilidade, no entanto, não é a única característica marcante do voo das borboletas, assim como não o é para os avanços tecnológicos e suas consequências regulatórias. Se em ambos os casos os movimentos independentes são imprevisíveis, quando observados em seu conjunto — o que no caso das borboletas se constitui em panapaná —, eles encerram tendências com grau significativo de previsibilidade.
Caso marcante é o das borboletas monarca, originárias do Canadá. A cada ano, no princípio do inverno, em panapaná, elas migram rumo às temperaturas mais amenas do sul da Califórnia, para fins de reprodução. São cerca de 2 mil quilômetros de voo — o mais longo deslocamento de insetos de que se tem notícia. Ao contrário dos movimentos sutis e imprevisíveis de cada indivíduo, a migração em panapaná é tão previsível quanto o movimento dos ponteiros de um relógio.
É impossível prever com exatidão o passo e a direção da evolução das tecnologias da informação ou de suas aplicações — computação quântica, big data, analytics, aplicações e preço futuro do grafeno, melhoria de baterias, evolução do machine learning e desenvolvimento da robótica. Por outro lado, a panapaná da tecnologia da informação, as tendências macro, permitem projeções bastante precisas. Parece não haver dúvidas de que o mundo e a economia serão movidos por dados; o número absoluto de interações em rede (homem/homem, homem/máquina e máquina/máquina) aumentará exponencialmente; os recursos de computação serão cada vez mais acessíveis e potentes, podendo ser adquiridos como serviços de qualquer lugar; a segurança da informação será preocupação significativa de empresas e países; a inteligência artificial terá impacto semelhante no século 21 ao que a eletricidade teve no século 20. Essas são todas “migrações” em curso e que já produzem respostas institucional e regulatória.
Desde do advento do computador, as tecnologias da informação não foram reguladas ou foram muito pouco reguladas. Entretanto, o que se diz de um par de anos para cá é que a “internet chegou à maioridade”. Assim, não se discute mais se a rede e as tecnologias da informação devem ser reguladas — mas como. E o que surge no horizonte são esforços regulatórios muito bem definidos, a proteção de dados pessoais, a segurança da informação o cloud computing, a IoT e a inteligência artificial. Esse é a panapaná regulatória. É o big picture da legislação envolvendo tecnologia para os próximos anos.
Não haverá como escapar de conhecer e abraçar cada um desses esforços normativos. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é apenas o primeiro deles. Isso é verdade para empresas que atuam em tecnologia da informação e também para empresas de outros setores. Do ponto de vista regulatório, quase tudo que vale para as primeiras passa a valer para as demais.
Um ponto de atenção é que, em grande parte dos casos, a regulação demandará adequações de comportamento e ética, que não são fáceis de implementar. A razão é que mesmo as leis modernas não dão conta da velocidade das transformações tecnológicas.
Organizações (e mesmo profissionais) que não se derem conta da importância da adequação regulatória perderão espaço e competitividade no mercado. O Facebook é o exemplo da vez.
Diz a sabedoria popular que, quanto mais você corre atrás de uma borboleta, mais ela foge. Aí, quando menos se espera, você se dá conta que ela pousou em seu ombro. Em matéria de regulação e ética em proteção de dados pessoais e, de forma mais ampla, em regulação em tecnologia da informação, há que se correr atrás da adequação para sua organização. De outra forma, a única garantia que se pode dar é de que nada pousará em seu ombro ou, muito menos, cairá do céu.